sexta-feira, 8 de novembro de 2019

"Eu sobre a bola" - 1ª edição

Começo esta publicação com o seguinte excerto, retirado do Público:

«A FIFA anunciou esta quinta-feira que vai duplicar no seu código disciplinar o castigo mínimo previsto para intervenientes do futebol que tenham comportamentos racistas. (…) o novo código vai permitir que os árbitros interrompam um jogo de futebol por incidentes racistas, podendo mesmo dá-lo por encerrado e atribuir a derrota à equipa infratora (…)»

Com isto, quero “apontar o dedo” a dois pontos descritos e que me parecem ser de análise prioritária.

Porque uma boa história começa a ser contada a partir do fim, sinto que é essencial destacar a carga adicional que os árbitros passaram a ter no desenvolvimento do jogo.

O árbitro é, desde há muito, o incompreendido “mau da fita”. É o principal culpado pelos cinco penáltis que não assinalou, as dezassete faltas não assinaladas com consecutivo cartão amarelo e que, de forma acumulada, podiam ter resultado em três expulsões.

Em cima, é só e apenas a soma das fortes opiniões de jogadores, treinadores, dirigentes e adeptos sobre as variadas situações de jogo.

Imaginem-se a decidir um livre à entrada da área ao invés de um penálti. Imaginem-se a marcar uma grande penalidade, que gera dúvidas, no último minuto do encontro. Imaginem-se a avermelhar um jogador no primeiro quarto de jogo. Qual será a pressão em decidir um final de jogo, sem que o tempo tenha sequer terminado?

O árbitro começa a ter maior decisão final que o supremo tribunal, propriamente. À margem da autoridade, o “senhor juiz” está agora incumbido de ser os olhos e os ouvidos dentro e fora de campo.

É inapropriado dizer que o VAR é a resposta para todos os problemas. As dúvidas continuam a ser as mesmas e, quando a questão passa por culpar alguém, a maior vítima será aquele [e a sua equipa] que procura servir a justiça dentro das quatro linhas.

O VAR passou a ser um forte apoio do árbitro dentro de campo, mas acresceram os problemas fora do terreno de jogo. Numa outra perspetiva, puxou-se o cobertor numa ponta mas, do outro lado, sentem-se novas rajadas de vento.

Gostava de ter resposta para diluir estes pesos pesados da arbitragem que cismam em evoluir e não desaparecer. Penso que a maioria gostava de saber responder a isso e, de certo, não passaria por suportar a “teoria do cobertor”.

É com o desenvolvimento deste primeiro ponto que dou mote àquela que é a problemática principal [e retrógrada] que se tem destacado na recente época, num volte face à regra última lançada pelo maior organismo da modalidade. É a temática para a qual decidi escrever este artigo e espero sentir que lanço uma lufada de ar fresco que assente num futebol justo e para todos.

Qual não será o papel preponderante que um árbitro terá que assumir daqui para a frente sobre o jogo e, por sua vez, a batalha que terá para alinhar os seus chacras e encontrar uma resposta equilibrada para dar como encerrada uma partida, devido a ações racistas?

[A resposta equilibrada está assente sobre dois pontos: a questão emocional e a questão profissional. O árbitro tem um papel autoritário dentro de campo, mas fora das quatro linhas é uma pessoa como as outras. Ainda assim, ao olhar de outrem, estas pessoas continuam a vestir a camisola de cor fluorescente durante as suas vidas pessoais. Com este pequeno aparte, queria apenas deixar a noção de que além das decisões tomadas em terreno de jogo, o árbitro acaba por ter de viver na pressão de que todas as suas respostas podem ter as suas consequências.]

Posto isto, reside a dúvida sobre a regra estipulada à luta contra o racismo. O lado bom e o lado mau, se é que os há. O lado da justiça e o lado de quem infringe. O triângulo romântico entre equipa A [e os seus adeptos], equipa B [e os seus adeptos] e a equipa de arbitragem.  

Na noção natural das coisas, pergunto-me: existe necessidade de aplicar uma regra para contornar esta problemática? [Sim, digo contornar. A regra é só um esquema de colocar a criança a olhar para a parede durante um espaço de tempo e acreditar que ela não voltará a fazer o mesmo quando terminar o castigo].

A resposta da maioria será sempre em defesa dessa nova regra ou em aplicar uma diferente com o mesmo tipo de contorno.

A minha melhor resposta talvez passe por retirar os castigos e educar o povo.

Aproveitando para trazer a minha vida pessoal ao barulho, posso assumir que desde cedo os meus pais retiraram a ideia da cabeça de que para me educarem deviam colocar-me a estudar, retirar-me algo ou, simplesmente, ficar quieto em qualquer local aborrecido da casa. Eu, sabendo como contornar a situação, tinha a normal tendência de tirar a habitual sesta durante aquilo a que denominamos “castigo”.

Portanto, cresci com uma educação baseada no exemplo e na forma gratificante que era ver o quão aquilo que fazia de bom era valorizado, fosse de forma concreta ou abstrata.

O que quero verdadeiramente transmitir é que esta situação é triste. Mais triste é sentir que tudo é uma corrida contra a corrente e que o “caminho fácil” é aquele que a maioria vai optando.

Eu próprio já vivi na bancada momentos em que um adepto, ou mais, procuram atingir negativamente o atleta adversário segundo a sua cor. Esquecem-se, esses mesmos adeptos, que a equipa por quem eles torcem também apresenta atletas negros, brancos ou asiáticos.

E, mesmo que na ínfima hipótese, estes não torçam por um clube, torcem pelo desporto em si e, nesse mesmo, jogam todas as raças e culturas.

O ser humano não é uma só raça?

Tenho saudades do único momento em que a maior referência racial provinha de uma simples frase - “Oh chinês, atira a bola!”. Era um tempo de inocência, na esperança que a bola, que ultrapassava o muro da minha escola, voltasse.

Devido aos meus pés quadrados, nem penso contabilizar o número de bolas que foram e voltaram. Mas uma coisa vos posso dizer, mais de 50% das bolas que retomaram não deve ter sido o mesmo “chinês”.

Por fim, e porque me parece que veio mesmo na altura correta, faço minhas as palavras de um grande treinador que não tem medo de dizer o que deve verdadeiramente ser dito: «O futebol tem a tecnologia certa para parar estas pessoas. É inadmissível falar-se em raças em 2019. Só existe uma raça – a raça humana».

Obrigado Maurizio Sarri por, no final de tudo, apagares o cigarro no melhor dos cinzeiros.

FL






1 comentário:

  1. Bravo, exatamente os meus pensamentos sobre o assunto mas escritos de uma forma muito mais eloquente.

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